Origem de Ifá: Significado, Mitos, História e a Consulta ao Oráculo de Orunmilá
- Hugo de Oxóssi
- 6 de jun.
- 7 min de leitura
Atualizado: 8 de jun.

Uma Tradição Viva
Há tradições que são como sementes ancestrais: nascem no invisível e florescem no tempo certo. Ifá é uma delas. Para quem busca respostas, caminhos ou simplesmente quer entender melhor a si mesmo, Ifá é muito mais do que uma prática espiritual — é um sistema de sabedoria, uma filosofia de vida, um oráculo vivo, uma tradição profunda que atravessa mitos e histórias.
Mas afinal, de onde vem Ifá? O que realmente significa essa tradição milenar que, em todos os mitos iorubá, começa com uma consulta ao oráculo?
Vamos juntos trilhar esse caminho entre céu e terra, onde o sagrado se manifesta na palavra, na areia e no silêncio dos búzios e ikin.
O que é Ifá? Origem, Significado e Consulta ao Oráculo de Orunmilá
Ifá é o nome de uma tradição espiritual milenar nascida entre o povo yorùbá, no atual sudoeste da Nigéria e regiões vizinhas. Mas Ifá também é o nome do oráculo sagrado utilizado na consulta a Ifá — um sistema divinatório complexo baseado em signos chamados Odù — e, ao mesmo tempo, é um dos nomes usados para se referir à divindade Orunmilá, o Orixá da sabedoria e da divinação. e regiões vizinhas. Mas Ifá também é o nome do oráculo sagrado utilizado na consulta a Ifá — um sistema divinatório complexo baseado em signos chamados Odù — e, ao mesmo tempo, é um dos nomes usados para se referir à divindade Orunmilá, o Orixá da sabedoria e da divinação.
Orunmilá, também chamado Ifá, é a divindade central da tradição que carrega o conhecimento profundo do destino humano. Ele testemunhou a criação do mundo ao lado de Olódùmarè, o Deus Supremo, e por isso conhece os segredos do tempo, do destino e da existência. Também é conhecido como Elérìí Ipin (Testemunha do Desígnio Divino), e seu nome de louvor é Akéréfinúsegbon — “o pequeno cuja mente é cheia de sabedoria”.
É por meio dele que os Babaláwo, sacerdotes e intérpretes do oráculo, revelam os caminhos possíveis a serem trilhados. Nada, absolutamente nada na tradição de Ifá, acontece sem a escuta do oráculo. Ele é a ponte entre o mundo visível (ayé) e o invisível (òrun), entre o passado e o futuro, entre o desejo e o destino.
A Origem Mitológica de Ifá: Quando a Terra Era Água e o Oráculo Era o Próprio Orunmilá
De forma adaptada a partir dos mitos iorubá, conta-se que Olódùmarè enviou 401 Ìrunmọlè — divindades primordiais — do céu (òrùn) para povoar a Terra (ayé), cada uma com uma missão específica. Entre esses Ìrunmọlè estavam os Orixás: Ogum foi responsável pela guerra e o ferro, Oxalá pela criação dos seres humanos, Exu pela comunicação e o axé — a força vital do universo. Já Orunmilá, por sua sabedoria, foi encarregado da adivinhação.
Esses seres divinos desceram à cidade sagrada de Ilé Ifé num tempo em que a Terra era apenas água. Para tornar o mundo habitável, trouxeram uma cabaça com areia, uma galinha de cinco dedos e um camaleão. A galinha espalhou a areia, criando a terra firme; o camaleão a percorreu para testar sua estabilidade. Satisfeitos, os Orixás desceram e se instalaram, tornando-se os primeiros habitantes do mundo.
Com o passar do tempo, surgiu a linhagem dos líderes divinos. Olódùmarè, com a ajuda de Oxalá, criou também os seres humanos. Entre os líderes que se destacaram está Odùduwà, considerado o ancestral mítico dos yorùbá. Sua descendência se tornaria a mais influente, dando origem a dinastias que comandariam reinos importantes como o Império de Oyó.
Orunmilá, por sua vez, viveu em Òkè Igèti, onde teve oito filhos e lhes transmitiu os segredos da adivinhação. Mais tarde, mudou-se para Adó, local que até hoje é conhecido como "a casa de Ifá" — Adó nilé Ifá.
Conta-se que, durante uma celebração, seus filhos vieram saudá-lo com as palavras "àború, àboyè, àbọṣíṣe" (que os sacrifícios sejam aceitos e tragam bênçãos). Todos repetiram a saudação, exceto Olówò, o mais jovem, que recusou-se a fazê-lo por se considerar um rei como o pai. Ofendido, Orunmilá decidiu então retornar ao òrun.
Sua partida mergulhou a Terra no caos segundo o poema:
Aboyún ò bí mó Àgàn ò tọ́wọ́ àlà bosùn. Òkùnrin ò dìde. Akeremọdòó wẹ̀wù ìrawẹ́. Àtò gbẹ́ mọ́ ọmọkùnrin ní ìdí; Obìnrin ò rí àṣẹ́ rẹ mọ́. Ìṣú peyin ò ta; Àgbàdò tàpé ò gbọ́; Erèé yọjú òpọlọ́. Òjò páàpààpàá kán sílẹ̀, Adìẹ̀ ṣà á mí. A pọ́n ọ̀bẹ̀ sílẹ̀,Ewúré mú un jẹ.
As mulheres grávidas não conseguiam parir; As estéreis continuavam sem filhos. Rios pequenos cobriam-se de folhas. Nos homens, o sêmen secava. As mulheres não menstruavam mais. O inhame brotava raquítico; O milho não se desenvolvia. A chuva caía em gotas esparsas que as galinhas tentavam comer. Navalhas afiadas jaziam no chão, e as cabras tentavam devorá-las.

A vida perdeu seu ciclo, e a Terra quase colapsou. Os filhos de Orunmilá, arrependidos, foram até o òrun implorar por sua volta. Encontraram-no sob uma palmeira com dezesseis cabeças — símbolo do oráculo. Mas Orunmilá recusou-se a retornar. Em vez disso, entregou a cada um dezesseis ikin — sementes sagradas do dendezeiro — e disse:
Bẹ́ ẹ bá délé, Bẹ́ ẹ bá fówóó ní, Èni tée mọọ bi nù un. Bẹ́ ẹ bá délé, Bẹ́ ẹ bá fáyaá ní, Èni tée mọọ bi nù un. Bẹ́ ẹ bá délé, Bẹ́ ẹ bá fómọ́ bí, Èni tée mọọ bi nù un. Ire gbogbo tée bá fẹ́ẹ́ ní láyé, Èni tée mọọ bi nù un.
Desde então, os ikin — sementes sagradas de dendê — tornaram-se os instrumentos centrais da consulta a Ifá. Orunmilá, ausente em corpo, permanece presente em espírito por meio do oráculo. A cada Odù revelado, sua sabedoria continua a guiar a humanidade.
Rumo à História: Se o Mito é o Corpo, a História é o Sopro
Relatos antigos, como os registrados em The History of the Yorubas e nos escritos do Sultão Bello de Sokoto, apontam uma possível origem oriental dos povos yorùbá. Muitos acreditam que vieram da região entre o Egito e a Arábia, expulsos por perseguições religiosas.
A tradição conta que o príncipe Odùduwà, filho do rei Lamurudu (uma possível versão de Nimrod), foi exilado por voltar-se a práticas espirituais que não seguiam a religião dominante. Com seguidores e imagens sagradas, viajou noventa dias até chegar a Ilé Ifé, onde conheceu Agbónnìrègún (também chamado de Setilu) e fundou a linhagem dos reis yorùbá. Alguns estudiosos veem ecos da diáspora cristã ou coptas egípcios nessa narrativa.
Uma outra versão complementar também menciona Setilu como um sábio cego vindo do povo Nupe, cuja maestria na arte da adivinhação despertou a inveja de muçulmanos locais. Expulso, Setilu viajou até Ilé Ifé, onde foi acolhido por Odùduwà e fundou o culto a Ifá, que se consolidou como sistema sagrado de orientação do destino.
Há ainda estudiosos que apontam possíveis influências de sistemas divinatórios árabes, como o khatt al-raml, uma forma de geomancia (ou “leitura da areia”), praticada entre místicos muçulmanos. As semelhanças nos métodos sugerem trocas culturais profundas que enriqueceram a formação do oráculo de Ifá.
As esculturas de pedra encontradas em Ilé Ifé, com traços nitidamente egípcios ou fenícios, reforçam a tese de uma origem ligada ao vale do Nilo. A tradição oral, por sua vez, preserva nomes, símbolos e gestos que apontam para esse vínculo ancestral com o Oriente e com os grandes fluxos migratórios da história africana.
O Oráculo como Centro da Tradição: Tudo Gira em Torno da Palavra Divinada
Seja na mitologia, na história ou no cotidiano, nada acontece sem o oráculo. Ifá é a bússola que orienta reis e agricultores, sacerdotes e famílias. Cada consulta é um reencontro com Orunmilá, um espelho do destino e uma chance de realinhamento com a essência.
Os Odù, os signos sagrados do oráculo que emergem no jogo com ikin — sementes sagradas do dendezeiro — ou com o ọ̀pẹ̀lẹ̀ — corrente divinatória usada para leituras mais ágeis — narram histórias, aconselham, advertem e abrem possibilidades. São caminhos do destino contados em poesia sagrada, onde cada verso carrega ecos de sabedoria ancestral.
A consulta a Ifá é um momento sagrado e transformador que revela os caminhos do agora e orienta o futuro com base em sabedoria ancestral. Ao interpretar os Odù, o oráculo manifesta o verdadeiro significado de Ifá: não apenas prever, mas orientar decisões, esclarecer dúvidas e fortalecer escolhas. É uma forma de navegar pelas encruzilhadas da vida com sabedoria, ética e equilíbrio, honrando o destino e a liberdade de escolha.
A Atualidade de um Mito: A Origem de Ifá como Filosofia Viva
Antes de encerrarmos, vale uma pausa para refletir sobre como o mito de Ifá ressoa nos dias de hoje. Mais do que uma narrativa ancestral, ele revela metáforas profundas sobre a condição humana.
Nesse contexto, Orunmilá representa a consciência desperta. Aquele que, ao presenciar a criação, tornou-se guardião do saber e da escuta profunda. Sua partida simboliza o distanciamento da humanidade de sua própria sabedoria interior — e o caos que se instala quando deixamos de ouvir nossa intuição, de nos alinhar ao ritmo natural da vida.
Os ikin dados aos filhos por Orunmilá podem ser vistos como arquétipos de autonomia espiritual. Ele não retorna, mas nos dá os instrumentos para encontrar as respostas dentro de nós. Ifá, assim, torna-se uma filosofia de responsabilidade pessoal e escolhas conscientes, onde cada consulta revela não só um conselho, mas um espelho.
A consulta a Ifá, então, não é sobre um destino fixo, mas sobre a arte de interpretar os sinais do presente — e moldar com eles os caminhos possíveis do futuro. Um exercício de atenção, de ética e de presença. Um lembrete de que a sabedoria, mesmo ancestral, continua viva quando aplicada com consciência ao agora.
Conclusão: O Legado Vivo de Ifá
Ifá é mitológica, história e prática. É cosmovisão ancestral e instrumento de transformação pessoal. É também um convite constante: escute, pergunte, transforme.
No centro da tradição iorubá, o oráculo permanece vivo, não apenas como ferramenta espiritual, mas como herança cultural e guia para quem busca viver com mais consciência e propósito.
Orunmilá pode ter voltado ao òrun, mas seus grãos sagrados ainda sussurram respostas àqueles que ousam perguntar.
Deixe nos comentários suas impressões ou dúvidas sobre a origem de Ifá e a sabedoria de Orunmilá.
Que o Ifá te inspire, te oriente e te conecte com o melhor de seus caminhos possíveis!
Axé!
Referências:
Abimbola, Wande. Ifá Divination Poetry.
De Mattos Frisvold, Nicholaj. Ifá: A Forest of Mystery.
Johnson, Samuel. The History of the Yorubas: From the Earliest Times to the Beginning of the British Protectorate
Osamaro, Cromwell. A Obra Completa de Ọ̀rúnmìlà – A Sabedoria Divina.
Plöger, Tilo & De Jagum, Marcos. Os Oráculos de Ifá: A comunicação com os deuses nas tradições do Ifismo Yorubá, Candomblé e Santeria.
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